Panorama Atual dos Ataques Cibernéticos no Brasil: Tendências, Setores Alvo e Desafios de 2025

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Ricardo Gonçalves

8/9/202511 min read

Introdução

Em 2025, a cibersegurança deixou de ser somente um tema técnico para integrar a agenda estratégica de empresas e do setor público no Brasil. O aumento de incidentes, a diversificação dos vetores de ataque e a incorporação de tecnologias como inteligência artificial pelos agentes maliciosos têm ampliado a superfície de risco, exigindo respostas mais coordenadas e duras tanto em políticas públicas quanto em práticas operacionais dentro das organizações.

Nos primeiros seis meses do ano, a média semanal de ataques por organização no Brasil tem sido uma métrica comentada por relatórios de mercado e empresas de segurança — um indicador da intensidade e continuidade das tentativas de invasão que colocam serviços críticos e dados sensíveis em risco. Essa realidade impõe a necessidade de ações que vão além do "corretivo": investimento em infraestrutura, adoção de controles básicos e maturidade em governança são obrigatórios para reduzir a probabilidade e o impacto de incidentes.

Este texto aprofunda esse cenário: apresenta dados e tendências, descreve os vetores mais explorados, analisa impactos em setores estratégicos e propõe recomendações práticas e roadmap de curto/médio prazo para organizações brasileiras que queiram elevar a própria resiliência cibernética.

Evolução dos ataques cibernéticos no Brasil em 2025

Panorama global e como o Brasil se posiciona

Os relatórios de segurança de 2025 mostram um aumento substancial no volume de ataques em escala global — com picos no segundo trimestre impulsionados por campanhas de phishing em massa, exploração de vulnerabilidades em infraestruturas legadas e ofensivas orientadas a dados. Para efeito de comparação, algumas regiões da América Latina registraram crescimentos acima de 40% a 100% em certos países, enquanto o Brasil apresentou aumento mais moderado, porém contínuo. Essas variações regionais decorrem de fatores como atualização de infraestrutura, exposição de serviços públicos, e densidade de serviços digitais financeiros.

Relatórios trimestrais indicaram que, no segundo trimestre de 2025, o Brasil teve média de aproximadamente 2.831 ataques semanais por organização, um aumento de cerca de 3% em relação ao ano anterior — número que ajuda a quantificar o nível de pressão enfrentado por equipes de segurança e operações (SOC). Esse indicador é útil para mensurar tendências e dimensionar necessidades de monitoramento e resposta em ambientes corporativos.

Tipos de ataques e evolução técnica

Phishing continua sendo o vetor mais prevalente, tanto por sua eficácia quanto pelo baixo custo operacional para os atacantes. Paralelamente, campanhas de ransomware adotaram táticas híbridas: além da criptografia de dados, cresce a prática do duplo sequestro (encrypt + leak) e a extorsão por vazamento em mercados clandestinos. Outro ponto relevante é a exploração de vulnerabilidades antigas em sistemas que não recebem patches regulares — comportamento identificado com frequência em ambientes governamentais e de saúde.

A inteligência artificial e modelos de linguagem vêm sendo explorados para automatizar reconhecimento de alvos, criação de mensagens altamente personalizadas e otimização de técnicas de engenharia social. Em prática, isso significa campanhas mais dirigidas com maior taxa de sucesso contra usuários despreparados ou processos organizacionais frágeis.

Dados e contexto: população, fraudes financeiras e custo das violações

A adoção massiva de meios digitais de pagamento expôs a população a vetores novos e adaptados. Estudos e levantamentos recentes apontam que uma parcela significativa da população brasileira foi alvo de tentativas de fraude: por exemplo, um levantamento citado por fontes do setor indica que cerca de 38% da população brasileira sofreu alguma forma de tentativa de golpe bancário ou fraude em março de 2025 — dado que evidencia tanto a profusão de ataques que miram cidadãos quanto a pressão sobre instituições financeiras e operadores de pagamentos.

Além do volume de tentativas, o custo e as consequências dessas fraudes impactam consumidores e empresas. Pesquisas nacionais apontam que milhões de consumidores sofreram golpes nos últimos 12 meses, com implicações que vão desde perdas financeiras diretas até restrições de crédito e danos reputacionais duradouros. Esses efeitos mostram por que as ações de prevenção também precisam ter foco no usuário final, além da proteção técnica.

Setores mais afetados no Brasil

Governo e serviços públicos

Organizações governamentais são alvos prioritários por reunirem dados sensíveis e por proverem serviços essenciais cuja indisponibilidade causa impacto social imediato. Os ataques que visam sistemas públicos podem comprometer cadastros, processos judiciais, sistemas de atendimento e serviços municipais/estaduais. A criação e fortalecimento de CSIRTs e do CTIR.Gov mostra a percepção governamental sobre a necessidade de coordenação nacional para prevenção, monitoramento e resposta. Ainda assim, lacunas na atualização de sistemas legados e na governança são pontos que facilitam a ação dos criminosos.

Saúde

Hospitais e redes de atendimento registraram aumento de incidentes: sistemas clínicos, prontuários eletrônicos e equipamentos conectados (IoT médico) são alvos particularmente sensíveis porque um ataque pode interromper atendimentos e colocar pacientes em risco. A combinação de infraestrutura heterogênea, equipamentos com ciclos longos de vida útil e orçamento restrito torna o setor vulnerável. Relatórios Q2 e investigações de campo mostram que instituições de saúde representam uma fatia expressiva dos alvos de campanhas de ransomware.

Telecomunicações

Operadoras e infraestrutura de rede são atacadas por diversos motivos: espionagem, interrupção de serviços e roubo de credenciais de clientes corporativos. A importância estratégica das telecoms para a economia e conectividade nacional faz com que ataques contra essas empresas tenham efeito cascata, afetando clientes residenciais, empresas e serviços críticos. Investimentos em segmentação de rede, detecção de anomalias e proteção de infraestruturas de borda são medidas urgentes.

Educação

O setor educacional teve destaque negativo globalmente e no Brasil: universidades e escolas, com estruturas frequentemente descentralizadas e baixo orçamento para segurança, tornam-se alvos fáceis para campanhas de phishing, roubo de dados e ransomware. Dados internacionais mostram a educação como um dos setores com maior média de ataques por organização e crescimento ano a ano; o Brasil espelha esse padrão em razão da exposição de sistemas acadêmicos e plataformas de EAD.

Perfil dos ataques: vetores, técnicas e ecossistema criminoso

Vetores predominantes
  1. Phishing e engenharia social — responsável pela maioria das infiltrações que culminam em roubo de credenciais e implantação de malware, principalmente quando combinado com ausência de MFA ou políticas de senhas fracas.

  2. Ransomware — operações cada vez mais profissionais que misturam criptografia de dados com vazamento e extorsão direta. Grupos de ransomware funcionam como verdadeiras "empresas criminosas", com divisão de funções e canais de negociação.

  3. Exploração de vulnerabilidades conhecidas — patches não aplicados em serviços expostos (VPNs, servidores de aplicações, dispositivos de borda) continuam sendo uma das principais portas de entrada. Relatórios locais identificam que exploração de falhas antigas é predominante em muitos incidentes.

  4. Botnets e ataques automatizados — farm de dispositivos comprometidos promove volume e persistência, dando escala às campanhas de DDoS, brute force e distribuição de malware.

Técnicas emergentes e uso de IA

Atacantes usam IA para construir spear-phishing mais convincentes (mensagens alinhadas ao perfil da vítima, escrita natural e referências contextuais) e para varrer ambientes em busca de vetores de ataque. A automação reduz o tempo entre descoberta de uma falha e sua exploração em massa, pressionando equipes de defesa a acelerar processos de patch e mitigação.

Dark web e economia do crime

Mercados clandestinos continuam a ser o elemento que alimenta a indústria do crime cibernético: credenciais roubadas, bases de dados e ferramentas (malware-as-a-service) são transacionados e financiam novas operações. Esse ecossistema global dificulta a ação isolada de autoridades locais e exige cooperação internacional para derrubar infraestruturas e desarticular redes de monetização.

Casos hipotéticos e estudos de impacto

Para transformar números em contexto prático, seguem dois estudos de caso sintéticos — baseados em incidentes reportados no Brasil e em análises de mercado — que ilustram tipos de impacto e lições práticas.

Caso 1 — Rede hospitalar regional (ransomware + vazamento)

Uma rede regional de hospitais sofreu intrusão por meio de credenciais obtidas via phishing. O atacante encriptou servidores de prontuário e, simultaneamente, vazou dados sensíveis de pacientes. A operação resultou em interrupção de atendimentos eletivos por dias, custos expressivos com recuperação, multas possíveis relacionadas a proteção de dados e danos reputacionais. Lições: necessidade de segmentação de rede, backups isolados e testes regulares de restauração; programas de awareness para equipe clínica; e planos de contingência clínica para manter serviços críticos.

Caso 2 — Órgão público municipal (exploração de vulnerabilidade antiga)

Um portal municipal, sem patches recentes, foi comprometido via exploit conhecido. O atacante publicou informações sensíveis e interrompeu sistemas de emissão de documentos por semanas. O incidente exigiu intervenção de CSIRT (Computer Security Incident Response Team) regional, forense e investimento emergencial para correção dos ativos. Lições: inventário de ativos, ciclo de patching, políticas de subvenção orçamentária para manutenção de sistemas críticos e contratos que contemplem SLA (Service Level Agreement) para correção de segurança.

Panorama regulatório, governança e iniciativas nacionais

O Brasil vem aprimorando seu arcabouço de governança em cibersegurança: a publicação e atualização de estratégias nacionais, bem com a formalização de centros de coordenação e resposta, refletem prioridade estratégica. O CTIR.Gov e iniciativas de E-Ciber têm papel central na integração entre esferas de governo e no fomento à colaboração com o setor privado. A existência de normas e políticas, porém, precisa ser acompanhada de execução local: planos de capacitação, investimentos e protocolos uniformes de notificação e resposta.

Além disso, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) adiciona pressão regulatória sobre as organizações para que adotem controles e relatórios de incidentes, sob risco de sanções e danos reputacionais. Uma governança madura combina conformidade (LGPD e normativas específicas) com postura de risco (inventário, avaliação contínua, priorização de mitigação).

Capacidade humana: formação, gaps e propostas práticas

O Brasil enfrenta um gap de profissionais de segurança com experiência em SOC, resposta a incidentes, engenharia de segurança e inteligência de ameaças. Projeções e programas de formação indicam esforços para treinar dezenas de milhares de profissionais, mas a qualidade e a distribuição desses talentos (setor público x privado; grandes centros x interior) ainda são desiguais.

Propostas práticas:

  • Investir em trilhas modulares de formação (como cursos técnicos, bootcamps e certificações orientadas a funções: analista SOC, IR, threat hunter).

  • Programas de estágio e parcerias universidade-empresa para transferência de conhecimento prático.

  • Centros regionais de excelência que permitam tirar pequenas organizações da "zona de risco" por meio de serviços compartilhados (MSSP/CSIRT regionais).

  • Incentivos fiscais ou linhas de crédito para capacitação em PMEs que não conseguem absorver custos elevados de treinamento.

Recomendações operacionais e roadmap para PMEs e órgãos públicos

Para que o texto seja útil na prática, deixo um roadmap e checklist priorizado, com foco em custo-efetividade e impacto imediato:

Prioridade 1 — Controles de baixo custo e alto impacto (0–3 meses)
  • Implementar autenticação multifator (MFA) em contas críticas.

  • Inventariar ativos e serviços expostos (mapa de risco inicial).

  • Aplicar patches críticos em sistemas expostos; isolar/atualizar dispositivos de borda (roteadores, VPNs).

  • Habilitar backups offline e testar restaurações básicas.

  • Treinamento rápido de conscientização (phishing simulations).
    (Esses itens reduzem vetores comuns como phishing e exploits de vulnerabilidades conhecidas).

Prioridade 2 — Maturação tática (3–9 meses)
  • Implantar logging centralizado e monitoramento básico (SIEM/MSSP para quem não tem capacidade interna).

  • Segmentação de rede para separar ambientes críticos.

  • Políticas de resposta a incidentes (Playbooks) e exercícios de tabletop.

  • Revisão de contratos e SLAs com fornecedores críticos; exigência de cláusulas de segurança.

Prioridade 3 — Resiliência e governança (9–18 meses)
  • Programa formal de gestão de risco cibernético (identificação, avaliação e tratamento).

  • Planos de continuidade de negócios integrados com planos de resposta a incidentes.

  • Investimento em capacitação técnica contínua e retenção de talentos.

  • Participação em fóruns de compartilhamento de inteligência (ISACs / CSIRTs setoriais).

Medidas legislativas e necessidade de cooperação internacional

Dado o caráter transnacional das campanhas e mercados criminosos, ações coordenadas entre países e entre empresas de segurança são decisivas para obter resultados operacionais — desde derrubada de infraestrutura até operações financeiras que interrompem canais de monetização dos criminosos. Exchanges de inteligência, tratados de cooperação e mecanismos de apoio a investigações cibernéticas devem ser prioridade nas agendas diplomáticas e de segurança.

Conclusão

Os dados e casos apresentados mostram que 2025 é um ano de transição: a superfície de ataque cresce em volume e sofisticação, e ao mesmo tempo surgem mecanismos institucionais e de mercado para mitigar riscos. Setores estratégicos — governo, saúde, telecomunicações e educação — exigem atenção especial pela criticidade dos serviços e pela exposição de dados sensíveis. Para reverter a tendência de aumento de incidentes e reduzir impactos, o Brasil precisa alinhar investimentos em tecnologia com capacitação humana, governança clara e cooperação pública-privada.

Na prática, a combinação de controles básicos bem executados, capacidade de detecção e resposta, e políticas públicas que suportem infraestrutura crítica criará condições para um ambiente digital mais resiliente. A hora de agir é agora: medidas incrementais e constantes superam medidas corretivas pontuais em termos de eficácia e custo ao longo do tempo.

Referências