Falhas como a ausência de autenticação multifator (MFA) expõe riscos críticos em plataformas digitais brasileiras

ATUALIZAÇÕESVULNERABILIDADESESTUDO DE CASOCIBERSEGURANÇA

Ricardo Gonçalves

8/8/20255 min read

Introdução

A revolução digital brasileira trouxe inovação, conveniência e agilidade para negócios, serviços financeiros e mobilidade urbana. Ao mesmo tempo, ampliou exponencialmente a superfície de ataque para cibercriminosos, exigindo das empresas e dos usuários padrões de segurança cada vez mais rigorosos. Em meio a esse cenário dinâmico, falhas aparentemente simples — como a ausência de autenticação multifator (MFA) em sistemas corporativos — podem abrir portas para ataques sofisticados, comprometendo dados, processos operacionais e reputações.

Recentemente, dois incidentes ilustraram como brechas relacionadas à falta de MFA têm se tornado vetores críticos de vulnerabilidade: um ataque em plataforma de fretamento colaborativo rodoviário, originado na cadeia de suprimentos, e uma onda de fraudes financeiras envolvendo o Pix, que exploraram credenciais de colaboradores e lacunas de proteção. Esses casos evidenciam que a segurança digital não depende apenas de investimentos em tecnologia, mas da implementação prática de boas políticas, treinamentos e controles rigorosos — especialmente junto a terceiros e parceiros.

Este artigo analisa essas ocorrências sob a ótica técnica e operacional, discutindo como a ausência de MFA expôs empresas e usuários a riscos sistêmicos, propondo medidas de mitigação e mostrando o papel estratégico da gestão da cadeia de suprimentos e da conscientização para a construção de ambientes digitais mais resilientes.

Estudo de Caso: O incidente Buser e o elo fraco da cadeia de suprimentos

1. Descrição do ocorrido

Em agosto de 2025, a Buser, conhecida plataforma de viagens rodoviárias por fretamento colaborativo, tornou público um acesso indevido a seus sistemas internos de comunicação. A origem da falha foi a inexistência de autenticação multifator (MFA) em uma conta de prestador terceirizado — um fornecedor integrado à cadeia digital da empresa.

O invasor, aproveitando-se dessa fragilidade, acessou ambientes como Slack e Hi Platform, visualizando e potencialmente manipulando comunicações entre colaboradores, incluindo interações relativas à experiência dos clientes. Investigação técnica e comunicado oficial da empresa confirmaram que dados financeiros ou de viagens não foram inicialmente comprometidos, favorecendo a rápida adoção de medidas corretivas e o alinhamento aos protocolos internacionais (NIST) para resposta a incidentes.

2. O papel da cadeia de suprimentos digital

O caso Buser é emblemático por revelar o impacto que terceirizados, fornecedores e parceiros podem causar na segurança do principal — especialmente em modelos de negócios altamente integrados. Na cadeia de suprimentos digital, o elo mais fraco (por padrão técnico, falta de MFA ou credenciais de baixo privilégio) pode ser explorado para comprometer o perímetro da empresa.

Além da revogação dos acessos comprometidos e da implementação emergencial de MFA para todas as contas corporativas, ficou explícita a necessidade de gestão rigorosa de terceiros: restrição de permissões, auditoria constante e contratação de parceiros que sigam padrões equivalentes de segurança.

3. Riscos diretos e indiretos identificados
  • Exposição de dados sensíveis internos, afetando operações e reputação.

  • Aumento do potencial para movimentação lateral, facilitando ataques subsequentes a outros sistemas ligados à empresa.

  • Necessidade de revisão dos contratos e políticas de segurança contemplando todos os elos da cadeia.

  • Sensibilização do mercado para práticas de compliance e treinamentos contínuos como parte do ciclo de proteção.

Paralelo com o golpe do Pix: vulnerabilidade além das empresas

1. Fraudes financeiras, falta de MFA e ataques ao Pix

Em 2025, o sistema Pix, principal meio de pagamento instantâneo brasileiro, foi alvo de fraudes bilionárias. Segundo especialistas, parte desses ataques foi viabilizada por falhas recorrentes nas políticas de autenticação de bancos e financeiras — em especial, a falta de MFA nas credenciais de colaboradores (internos e terceiros) e a permissão excessiva de acessos.

Criminosos, utilizando estratégias de engenharia social e técnicas para obtenção de senhas, conseguiram transações indevidas e acessos privilegiados, causando prejuízos diretos a empresas e usuários finais. O alerta lançado pelos maiores laboratórios de tecnologia financeira reforçou: a ausência de MFA e controles granulares de permissões tornam todo o sistema mais vulnerável — um "elo fraco" que serve de porta de entrada para invasores.

2. Cadeia de suprimentos como vetor de ataque financeiro

O paralelismo entre os ataques ao Pix e ao caso Buser é claro: ambos foram facilitados por falhas na cadeia de suprimentos digital, enfatizando a importância da MFA e da gestão de parceiros. Essa vulnerabilidade não está restrita a empresas de tecnologia — ela permeia todo o ecossistema financeiro, de startups a bancos tradicionais. O elo fraco pode ser tanto o colaborador a quem falta treinamento, quanto o fornecedor que não segue o mesmo padrão de segurança do contratante.

Ataques recentes já forçaram grandes organizações a reavaliar contratos, exigir políticas de MFA para todas as integrações e segmentar ambientes lógicos para redução de impactos caso ocorra um incidente.

Mitigação: medidas técnicas e operacionais

1. Estratégias avançadas de proteção
  • Implementação universal de MFA: Não deve existir exceção — cada usuário, seja interno, temporário ou terceirizado, precisa passar por múltiplos fatores de autenticação. Ajustes conforme a realidade operacional (token, app mobile, biometria, etc.) devem ser feitos em todos os sistemas críticos.

  • Governança da cadeia de suprimentos: Contratos precisam contemplar exigências mínimas de compliance; auditorias periódicas e testes de penetração são imprescindíveis.

  • Treinamento contínuo: Conscientização e capacitação dos colaboradores (inclusive parceiros) para reconhecer tentativas de engenharia social, phishing e boas práticas de uso de credenciais.

  • Monitoramento proativo e bloqueio automatizado: Plataformas de detecção e resposta a incidentes (SIEM, SOAR) otimizam a velocidade da reação e reduzem tempo de exposição em caso de invasão.

  • Comunicação transparente: Incidentes devem ser reportados de forma imediata e clara a clientes, stakeholders e autoridades, fortalecendo a confiança e adequação à legislação vigente.

2. Recomendações práticas para empresas digitais e financeiras
  • Defina MFA como padrão mínimo obrigatório para todos os ambientes.

  • Exija que fornecedores e parceiros estejam em conformidade com os mesmos requisitos técnicos.

  • Integre análise de risco da cadeia de suprimentos em cada etapa do ciclo de vida do produto.

  • Realize auditorias e simulações frequentes — tanto internas quanto externas — para identificar falhas.

  • Priorize frameworks internacionais de boas práticas, como CIS Controls, NIST e ISO 27001, para construir políticas robustas.

  • Implemente o princípio do menor privilégio: todo acesso deve ser concedido de forma restrita, escalonando apenas quando absolutamente necessário.

Conclusão

Os casos recentes envolvendo a plataforma Buser e os ataques ao Pix evidenciam que falhas simples de autenticação podem desencadear consequências severas para empresas, usuários e todo o ecossistema digital e financeiro nacional. Tanto em operações de transporte quanto nas de pagamentos, pessoas e empresas estão interligadas por cadeias de suprimentos cada vez mais complexas — e cada elo precisa ser protegido de forma equivalente.

A autenticação multifator (MFA) não é mais um diferencial; é base obrigatória para proteção de dados, preservação de reputação e redução de prejuízos. O engajamento da alta gestão, a capacitação dos colaboradores e controles rígidos sobre terceiros formam o tripé para uma postura realmente robusta e efetiva em cibersegurança.

A lição dos casos reais é clara: negligenciar a MFA ou permitir brechas na cadeia de suprimentos é abrir caminho para que o elo mais fraco seja explorado — comprometendo todo o sistema. Segurança, mais do que nunca, é coletiva, transversal e demanda evolução constante.

Referências