Aplicativos chineses sob investigação: um mergulho nos riscos de privacidade em 2025
Descrição do post.
NOTÍCIASTENDÊNCIASCIBERSEGURANÇA
Ricardo Gonçalves
7/8/202511 min read


1. Introdução: o que motivou esse alerta agora?
Em meados de julho de 2025, o governo de Taiwan tomou uma decisão rara e contundente: publicar um relatório detalhando graves falhas de privacidade em cinco aplicativos chineses de uso massivo. Estamos falando de nomes populares como TikTok, WeChat, Weibo, RedNote (Xiaohongshu) e Baidu Cloud. O ponto de partida foi simples, mas assustador: descobrir que todos esses apps coletavam dados sensíveis sem informar claramente o usuário, repassando essas informações para servidores localizados na China.
O contexto geopolítico pesa. Nos últimos anos, aplicativos chineses conquistaram usuários em todo o mundo graças a recursos gratuitos e experiências envolventes. Essa adoção acelerada expôs uma lacuna urgente: muitos países ainda não tinham avaliado em profundidade como esses serviços tratavam nossos dados pessoais. Taiwan, por sua proximidade política e cultural com a China, decidiu tomar a dianteira e investigar. O resultado ecoou imediatamente em círculos de segurança digital, jornalismo e mesmo entre autoridades regulatórias de outras nações.
O alerta de Taiwan não fala apenas de tecnicalidades ou termos de uso obscuros. Ele aponta práticas ativas de coleta de localização em tempo real, acesso a contatos, reconhecimento facial e até leitura de texto armazenado no “clipboard” do celular. Mais do que expor falhas, o relatório revelou o risco legal: sob leis chinesas de segurança e inteligência, empresas de tecnologia são obrigadas a entregar esses dados ao governo quando solicitados, independentemente de qualquer promessa de privacidade.
Este artigo vai além da notícia em si. Nosso objetivo é explicar, de forma didática e humanizada, cada um dos achados do estudo, contextualizar o impacto global e oferecer orientações práticas para que empresas, famílias, jovens e criadores de conteúdo saibam exatamente o que fazer a partir de agora. Afinal, entender não basta: é preciso agir para proteger sua privacidade e manter o controle sobre suas informações.
2. Os 5 aplicativos na mira: funções, alcance e critérios de avaliação
Perfil e penetração global
Antes de explorar as fraudes, vale apresentar rapidamente cada app:
TikTok: plataforma de vídeos curtos, com recursos de edição e filtros. Tem centenas de milhões de usuários ativos diários, incluindo um público juvenil expressivo no Brasil.
WeChat: solução “tudo em um” que combina mensageria, rede social, pagamentos e serviços governamentais. É onipresente na China e utilizado por empresas para comunicação internacional.
Weibo: microblog que mistura notícias e posts de celebridades, similar ao Twitter. Popular entre jornalistas, influenciadores e marcas que buscam engajamento rápido.
RedNote (Xiaohongshu): híbrido entre rede social e marketplace, onde os usuários compartilham dicas de moda, beleza e estilo de vida. Celebrizado por reviews de produtos.
Baidu Cloud: serviço de armazenamento na nuvem, análogo ao Google Drive, com suporte a compartilhamento de arquivos e colaboração em tempo real.
Esses cinco serviços juntos acumulam bilhões de sessões mensais. Seja para entretenimento, trabalho ou compras, milhões de pessoas confiam neles diariamente, muitas vezes sem questionar o que acontece “por trás da tela”.
Os 15 critérios de avaliação
O relatório de Taiwan definiu 15 indicadores técnicos, agrupados em cinco categorias, para analisar como cada app trata a privacidade do usuário:
Coleta de dados pessoais Avalia se o app solicita ou captura informações como nome, e-mail, telefone, localização ou documentos sem justificativa clara.
Permissões excessivas Verifica se o aplicativo pede acesso a microfone, câmera, contatos, mensagens e sensores do dispositivo mesmo sem funcionalidade explícita.
Transmissão de dados Analisa se as informações são enviadas a servidores em outras regiões sem aviso prévio, e se existe criptografia adequada durante a transferência.
Extração de informações do sistema Examina a capacidade do app de ler detalhes sobre o hardware, software e lista de aplicativos instalados no dispositivo.
Coleta de dados biométricos Confere se há acesso a reconhecimento facial, padrões de toque e outras formas de biometria sem transparência ou consentimento informado.
Cada critério recebeu pontuação binária (passou/falhou). O resultado final é um escore de conformidade: quanto mais falhas, maior o risco. E o pior: todos os cinco aplicativos caíram em um ou mais grupos críticos.
3. RedNote e TikTok: aprofundando os maiores vilões
RedNote (Xiaohongshu)
RedNote merece destaque pelo pior desempenho geral. Ele violou todos os 15 critérios, revelando um padrão de coleta e extração quase intrusiva:
Câmera e microfone ativos em segundo plano: mesmo sem o usuário gravar vídeos, o app ativava esses recursos para capturar imagens e sons externos.
Localização contínua: triangulação por GPS, Wi-Fi e sensores internos atribuía ao app a capacidade de mapear movimentos em tempo real, sem limites de ativação.
Leitura de pastas privadas e arquivos: o serviço listava documentos pessoais, planilhas e fotos armazenadas em diretórios que não faziam parte da área de dados do próprio aplicativo.
Captura do “clipboard”: a cada vez que o usuário copiava um texto — seja senha, link ou mensagem — o conteúdo era enviado aos servidores.
Esse comportamento é particularmente preocupante porque RedNote se apresenta como rede social de lifestyle, sem necessidade evidente para tantas permissões invasivas. Em aplicativos do dia a dia, a coleta deveria se limitar ao mínimo indispensável.
TikTok
Mesmo numa posição menos extrema que a de RedNote, o TikTok exibiu falhas em 13 dos 15 critérios:
Clipboard e outros apps: identificou padrões de comportamento do usuário em outros aplicativos, sugerindo cross-tracking para personalização de anúncios.
Processos em background: continuava coletando dados mesmo após o fechamento da interface, driblando o encerramento convencional pelo usuário.
Geolocalização: guardava histórico de localização detalhado, usado para ajustar algoritmos de recomendação de conteúdo baseado em preferências regionais.
Reconhecimento facial: além de filtros divertidos, armazenava modelos 3D do rosto do usuário para aprimorar detecção e possibilitando usos em deepfakes.
É importante enfatizar: o TikTok passou por diversas atualizações de termos e afirmava limitar certas coletas. No entanto, os testes técnicos de Taiwan mostraram que a publicidade de privacidade não se traduziu em práticas efetivas.
4. A lei por trás dos riscos: legislação chinesa desvendada
Lei de Inteligência Nacional e Segurança Cibernética
O ponto mais alarmante não é apenas a coleta excessiva, mas o que pode acontecer depois. A Lei de Inteligência Nacional de 2017 estabelece que “qualquer organização ou cidadão deve apoiar e cooperar com o trabalho de inteligência nacional”, sem necessidade de mandado judicial. Isso se reflete diretamente em:
Acesso obrigatório: aplicativos hospedados na China são legalmente compelidos a fornecer logs, bancos de dados e comunicações armazenadas.
Sigilo: as empresas não podem divulgar publicamente que foram requisitadas por agências de inteligência, criando um véu de segredo.
A Lei de Segurança Cibernética complementa ao exigir que todas as informações pessoais “importantes” sejam armazenadas localmente na China, sujeitas a auditorias governamentais. O resultado é que:
Dados de usuários de outros países também acabam nos servidores chineses.
Qualquer pedido governamental gera compartilhamento sem transparência.
Nem mesmo ações judiciais externas conseguem garantir proteção efetiva.
Contraste com LGPD e GDPR
Na Europa, o GDPR exige consentimento explícito para coleta de dados pessoais e impõe multas milionárias em caso de descumprimento. O Brasil, pela LGPD, seguiu modelo semelhante, obrigando clareza e controle do titular sobre seus dados.
Comparar as legislações revela um choque de princípios:
Na China, o Estado tem prioridade sobre a privacidade do indivíduo.
Em democracias ocidentais, o indivíduo detém direitos de saber, revogar consentimento e exigir explicações.
Esse embate jurídico coloca aplicativos chineses em rota de colisão com exigências internacionais, especialmente quando atuam globalmente.
5. Por que isso é um problema global (e não só asiático)
Repercussão nos Estados Unidos e na Europa
Logo após o alerta de Taiwan, veículos como The Hacker News e Infosecurity Magazine repercutiram o caso. Nos EUA, o Federal Communications Commission (FCC) revisitou discussões sobre a segurança de apps chineses em redes 5G e dispositivos governamentais. Na Europa, a Agência de Proteção de Dados da UE começou a aprofundar investigações sobre como TikTok e WeChat lidam com informações de usuários do bloco.
Medidas em outros países
Índia baniu mais de 200 apps chineses desde 2020, incluindo TikTok e WeChat, sob alegação de riscos à segurança nacional.
Canadá proibiu apps em dispositivos governamentais e emitiu alertas públicos recomendando avaliações de privacidade antes da instalação.
Austrália e Reino Unido intensificaram diretrizes para órgãos públicos e prestadores de serviço de tecnologia, exigindo sandboxing (ambiente isolado) de apps suspeitos.
O impacto na América Latina
Na América Latina, países como México e Colômbia estudam legislações semelhantes à LGPD e ao GDPR, o que poderia embasar restrições regionais a aplicativos que violem padrões de privacidade. O Brasil, detentor de uma das maiores bases de usuários do TikTok, observa essas movimentações de perto.
O ponto-chave é que nenhum usuário — seja em Taipei, Nova York ou São Paulo — está imune a apps que operam por trás de muros legais que favorecem o acesso governamental aos nossos dados.
6. O papel dos algoritmos e o risco de manipulação invisível
Como algoritmos moldam comportamento
Os aplicativos analisam seus interesses, hábitos e interações para sugerir conteúdo que prenda sua atenção. Esse ciclo de feedback reforça padrões:
Vídeos ou posts que geram mais engajamento são priorizados.
Seu perfil psicológico e demográfico é inferido com base em likes, tempo de visualização e compartilhamentos.
Essa customização fica tão refinada que pode influenciar decisões de compra, opinião política e até humor.
Coleta de dados como mecanismo de influência
Quando um app coleta dados de localização, biometria e comportamento em outros apps, ele monta um perfil completo:
Perfil contextual: entende seu ambiente — trabalho, casa, roteiros de lazer.
Perfil relacional: sabe com quem você mais se comunica e quem pode influenciar suas decisões.
Perfil psicológico: infere traços de personalidade a partir do padrão de toques, velocidade de digitação e tipos de conteúdo consumido.
Com essas camadas consolidadas, é possível criar campanhas de publicidade ultra-segmentadas, promover narrativas políticas ou sociais e direcionar deepfakes ou mensagens pop-up no momento exato em que você está mais suscetível.
Manipulação invisível
O grande problema não é só a coleta, mas a falta de transparência. Muitos usuários não sabem que estão sendo “testados” o tempo todo. Em testes controlados, pesquisadores mostram que pequenos ajustes no design de interfaces já conseguem levar um consumidor a clicar em anúncios, comprar produtos ou adotar visões políticas.
Apps que violam padrões de privacidade não somente ameaçam dados pessoais — eles podem minar nossa autonomia de escolha.
7. Quem é mais vulnerável: jovens, criadores de conteúdo e pequenas empresas
Jovens e adolescentes
Adolescentes são o grupo que mais consome aplicativos como TikTok e RedNote. Eles aceitam “termos e condições” sem ler, compartilhando vídeos, fotos e áudios que podem alimentar bancos de dados de marketing e vigilância. Pais e educadores devem dialogar sobre perigos, ensinar a identificar permissões abusivas e estimular o uso de ferramentas de privacidade.
Criadores de conteúdo e influencers
Quem faz da rede social sua profissão compartilha muito mais do que posts públicos. Horários de pico, localização e lista de seguidores são dados valiosos para plataformas e anunciantes. Se você é influencer, pense em diversificar canais, usar e-mails dedicados para registro e proteger contas com autenticação forte. Caso contrário, corre o risco de ter seu público mapeado e explorado sem retorno justo.
Pequenas empresas e profissionais autônomos
Um advogado que guarda contratos no Google Drive pode ficar vulnerável ao usar Baidu Cloud em um dispositivo corporativo. Designers, fotógrafos e consultores que testam apps para recomendar clientes podem ter informações sensíveis capturadas sem saber. Para esses profissionais, a política de “Bring Your Own Device” (BYOD) deve incorporar regras claras: só instalar apps aprovados pelo setor de TI ou trabalhar em máquinas separadas.
8. Ferramentas práticas: revisar permissões e proteger seus dados
Revisão de permissões em Android e iOS
Android
Abra “Configurações” > “Aplicativos” > selecione o app desejado.
Toque em “Permissões” e revise cada item (localização, microfone, câmera).
Desative tudo que não seja essencial ao funcionamento básico do app.
iOS
Vá em “Ajustes” > role até o app e toque nele.
Desligue os interruptores de “Localização”, “Fotos”, “Microfone” e “Câmera” quando não precisar.
Use a opção “Enquanto Uso” para limitar acesso somente ao período em que o app estiver ativo.
Uso de VPN e navegadores focados em privacidade
VPN: serviços como ProtonVPN e NordVPN escondem seu IP real, dificultando o rastreamento de localização pelo app.
Navegadores: Firefox Focus, Brave e DuckDuckGo bloqueiam rastreadores e scripts que coletam informações mesmo sem permissão do usuário.
Gerenciadores de senha e autenticação em dois fatores
Armazene senhas fortes em apps como Bitwarden ou 1Password.
Ative 2FA sempre que possível: Google Authenticator, Authy ou chaves de segurança física (YubiKey).
Monitoramento de tráfego em segundo plano
No Android, em “Configurações” > “Rede e internet” > “Uso de dados”, identifique apps que consomem dados em segundo plano e restrinja esse comportamento.
No iOS, em “Ajustes” > “Geral” > “Atualização em 2º Plano”, desative para apps que não precisam de atualização contínua.
9. O que grandes empresas e governos estão fazendo (e como você acompanha)
Iniciativas de fabricantes
Apple introduziu indicadores visuais no iOS para avisar quando a câmera ou o microfone estão ativos.
Google repaginou o painel de “Segurança do Dispositivo” no Android, mostrando quais apps acessam dados sensíveis com mais detalhes.
Políticas públicas e trocas de informação
A ANPD (Brasil) e o European Data Protection Board publicam diretrizes e guias para usuários e empresas sobre melhores práticas de proteção de dados.
Portais de transparência e canais de denúncia permitem reportar aplicativos que violam termos de privacidade.
Projetos de alfabetização digital
Escolas e ONGs no Brasil vêm incorporando módulos de segurança digital em salas de aula, falando sobre phishing, permissões de apps e privacidade online.
Plataformas de cursos online, como Coursera e Udemy, oferecem formações gratuitas sobre “Fundamentos de Privacidade de Dados” e “Segurança Digital para Leigos”.
10. Conclusão: o que você decide a partir de agora
Privacidade não é um luxo, é um direito. Em um mundo onde aplicativos coletam e processam toneladas de informações sobre nós, manter o controle significa olhar além do entretenimento e reconhecer o valor dos nossos dados.
Você pode continuar usando TikTok, WeChat ou RedNote, mas agora com consciência dos riscos. Use permissões com parcimônia, separe dispositivos para tarefas sensíveis e invista um tempo para entender e realizar as configurações de privacidade nos dispositivos digitais que você usa tanto pessoalmente quanto profissionalmente. Compartilhe essas práticas com amigos, colegas e familiares. Quanto mais pessoas entenderem o que está em jogo, mais forte será nossa capacidade de exigir transparência e responsabilidade das empresas.
O futuro da interação digital passa pela escolha individual — e consciente. Este artigo trouxe o que há de mais recente em investigação e práticas recomendadas. Agora, a bola está no seu campo: que atitude você vai adotar para proteger sua privacidade em 2025 e além?
Fontes e referências
NSB – Gabinete de Segurança Nacional de Taiwan – NSB Alerts the Significant Cybersecurity Risks in China-Made Mobile Applications https://www.nsb.gov.tw/en/#/%E5%85%AC%E5%91%8A%E8%B3%87%E8%A8%8A/%E6%96%B0%E8%81%9E%E7%A8%BF%E6%9A%A8%E6%96%B0%E8%81%9E%E5%8F%83%E8%80%83%E8%B3%87%E6%96%99/2025-07-02/NSB%20Alerts%20the%20Significant%20Cybersecurity%20Risks%20in%20China-Made%20Mobile%20Applications
The Hacker News – Taiwan NSB alerts public on data risks in popular Chinese apps https://thehackernews.com/2025/07/taiwan-nsb-alerts-public-on-data-risks.htmlInfosecurity Magazine – Taiwan flags data-harvesting risks in Chinese apps https://www.infosecurity-magazine.com/news/taiwan-chinese-apps-data-security/
Security Affairs – Taiwan flags security risks in popular Chinese apps after official probe https://securityaffairs.com/179687/security/taiwan-flags-security-risks-in-popular-chinese-apps-after-official-probe.html
Entre em contato
+5531986481052
© 2024. Todos os direitos reservados
Deixe sua mensagem para que possamos entender a sua demanda