A Segurança da Cadeia de Suprimentos: Lições do Ataque à Sinqia e Como Se Proteger

Ataques à cadeia de suprimentos já impactam fortemente a cibersegurança financeira, como ficou claro no recente roubo de R$ 400 milhões no ataque ao ambiente Pix da Sinqia, que afetou bancos como o HSBC. Entenda como invasores exploram fornecedores críticos, a metodologia usada e as melhores práticas para proteger sua empresa contra essas ameaças digitais complexas. Palavras-chave: Ataque à cadeia de suprimentos, Ataque hacker Sinqia, Segurança sistema Pix, Cibersegurança financeira, Proteção contra ataques cibernéticos

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Ricardo Gonçalves

9/1/20257 min read

Introdução

Nos últimos anos, o avanço tecnológico e a crescente dependência de sistemas interconectados elevaram a complexidade das operações digitais em setores estratégicos, especialmente no setor financeiro. Uma consequência preocupante dessa evolução tem sido a intensificação dos ataques à cadeia de suprimentos de tecnologia da informação (TI), modalidade que visa explorar vulnerabilidades em fornecedores e parceiros críticos, com o objetivo de comprometer múltiplas organizações simultaneamente.

Em agosto de 2025, um dos episódios mais significativos envolvendo esse tipo de ameaça ocorreu no Brasil, quando a Sinqia, uma das maiores provedoras de serviços tecnológicos para instituições financeiras, foi alvo de um ataque que resultou no desvio de aproximadamente R$ 400 milhões via sistema Pix. Este incidente, que afetou bancos como o HSBC, trouxe à tona a fragilidade e a complexidade das cadeias de suprimentos de TI na segurança financeira e mostrou a urgência de práticas robustas para sua proteção.

Este artigo aborda esse ataque, explorando o conceito e os impactos dos ataques à cadeia de suprimentos, descrevendo a metodologia utilizada pelos invasores, analisando as lições aprendidas e, por fim, propondo políticas e práticas recomendadas que instituições e fornecedores podem adotar para fortalecer suas defesas nesse cenário de ameaças crescentes.

O que são ataques à cadeia de suprimentos?

Ataques à cadeia de suprimentos referem-se a ações maliciosas em que hackers comprometem um fornecedor, parceiro ou componente crítico utilizado por diversas organizações, uma vez que o comprometimento desse ponto pode afetar uma ampla rede de instituições e usuários finais. Diferente dos ataques tradicionais que visam diretamente um alvo, essa abordagem explora a interdependência entre empresas e seus fornecedores, transformando a cadeia em um vetor lucrativo para os invasores devido ao seu efeito multiplicador.

Com a digitalização acelerada, muitos sistemas empresariais passaram a depender de softwares, serviços em nuvem, plataformas de integração e provedores de soluções que funcionam como pilares para a operação de múltiplas organizações. Isso cria uma superfície de ataque alargada, onde comprometer um único fornecedor pode expor diversas vítimas simultaneamente. Assim, ataques à cadeia de suprimentos amplificam o impacto e dificultam a detecção e a contenção.

Exemplos notórios incluem o ataque global ao software SolarWinds, que comprometeu milhares de organizações, e os incidentes nacionais ocorridos em 2025 ligados a provedores financeiros como C&M Software e, mais recentemente, a Sinqia.

A motivação dos invasores se sustenta na eficiência do método, ganhos financeiros elevados e na dificuldade das vítimas isoladas identificarem os ataques precocemente, devido à complexidade do ecossistema digital moderno.

Caso Sinqia: detalhes do ataque

A Sinqia atua como uma provedora estratégica no sistema financeiro brasileiro, oferecendo soluções core banking, serviços de banking as a service e integração ao sistema Pix, que permite pagamentos instantâneos entre instituições. Em agosto de 2025, criminosos cibernéticos conseguiram infiltrar os sistemas da Sinqia responsáveis pela conexão de bancos ao Pix, executando transações fraudulentas em diversas instituições, com destaque para o HSBC, que sofreu um prejuízo estimado em R$ 400 a R$ 420 milhões.

O ataque foi descoberto rapidamente pela Sinqia, que percebeu movimentações atípicas e instantaneamente bloqueou os acessos comprometidos. O Banco Central também agiu prontamente, suspendendo a conexão da Sinqia ao sistema financeiro para impedir que os valores desviados fossem movimentados. Além disso, iniciou-se uma investigação minuciosa com especialistas forenses que buscavam identificar a origem, vetor e extensão do ataque.

A Sinqia, por sua vez, comunicou seus clientes e adotou medidas emergenciais, incluindo a reconstrução de seu ambiente tecnológico em um ambiente isolado, com controles mais rigorosos e monitoramento contínuo para evitar futuras brechas.

A magnitude do roubo e a forma indireta como o ataque foi conduzido — comprometendo um provedor em vez de um banco diretamente — evidenciam a periculosidade dos ataques à cadeia de suprimentos na esfera financeira, onde o impacto do comprometimento de um elo pode se refletir em diversos parceiros e desempregar serviços essenciais para milhões de clientes.

Metodologia dos invasores

A análise técnica preliminar, ainda em andamento, sugere que a abordagem dos invasores no ataque à Sinqia seguiu um padrão cada vez mais comum e sofisticado:

  • Comprometimento do ambiente do fornecedor: Os hackers provavelmente exploraram vulnerabilidades técnicas nos sistemas da Sinqia, como falhas de segurança em serviços web, autenticações fracas ou uso de credenciais comprometidas, para obter acesso inicial, visto que ainda não há indícios de comprometimento interno.

  • Movimentações financeiras fraudulentas: Com esse acesso, os invasores realizaram uma sequência de transferências via Pix, direcionadas a uma rede controlada por eles, que utilizava contas de terceiros (laranjas) para lavar os valores desviados.

  • Ataque indireto ao banco: Diferentemente de ataques tradicionais, os criminosos não atacaram diretamente o HSBC ou outras instituições financeiras, o que dificultou a detecção rápida do roubo, dada a intermediação da Sinqia.

  • Agilidade na execução: O ataque foi conduzido em curto espaço de tempo, possivelmente para evitar bloqueios e conter a ação dos sistemas de monitoramento.

  • Paralelismo com ataque anterior: O modus operandi refletiu o ataque ocorrido em junho contra a C&M Software, outra provedora com papel semelhante no ecossistema financeiro, que resultou em desvio bilionário. Esse padrão evidencia uma tendência de ataques direcionados a provedores e fornecedores em segmentos críticos.

Os invasores exploram a complexidade, o acesso privilegiado e a interconectividade dos fornecedores para maximizar seus ganhos e evitar detecção precoce, transformando a cadeia de suprimentos em um alvo mais vulnerável e valioso.

Lições aprendidas

O incidente com a Sinqia oferece importantes aprendizados para instituições financeiras, fornecedores de TI e demais setores dependentes de cadeias complexas de suprimentos tecnológicas:

  • Riscos sistêmicos: A dependência de fornecedores críticos potencializa os riscos, pois um único comprometimento pode impactar toda a rede de clientes interligados.

  • Vulnerabilidades na gestão de fornecedores: Muitas organizações ainda carecem de avaliações profundas e contínuas da segurança dos seus parceiros, o que abre brechas para ataques.

  • Importância da defesa em profundidade: Somente políticas robustas de autenticação, monitoramento avançado baseado em inteligência de ameaças e segregação de acessos podem conter o avanço dos ataques.

  • Resposta rápida e coordenada: A efetividade na contenção do ataque à Sinqia foi facilitada pela detecção precoce e pela atuação conjunta entre fornecedor, bancos e reguladores.

  • Capacitação contínua: A formação dos profissionais de TI e a conscientização das equipes sobre novos vetores de ataque são cruciais para fortalecer a segurança organizacional e da cadeia.

  • Evolução constante das ameaças: Os ataques à cadeia de suprimentos tendem a se sofisticar, exigindo atualizações constantes nas estratégias e tecnologias de proteção.

Políticas e práticas recomendadas para proteção da cadeia de suprimentos

Diante dos desafios evidenciados, organizações devem pautar suas políticas de segurança da informação em medidas específicas para mitigar vulnerabilidades na cadeia de suprimentos:

  • Avaliação rigorosa e certificação de fornecedores: Implementar critérios claros de seleção que incluam auditorias de segurança, testes de penetração, análise de conformidade e certificações reconhecidas (ISO 27001, NIST, CIS).

  • Controle de acesso estrito: Adotar o princípio do menor privilégio, restringindo o acesso dos fornecedores exatamente ao necessário, com monitoramento e registros de todas as atividades.

  • Autenticação multifator (MFA): Exigir MFA para todos os acessos externos e internos decorrentes dos fornecedores e parceiros.

  • Monitoramento contínuo e análise comportamental: Implementar ferramentas que detectem padrões anômalos nas operações ligadas a fornecedores, capazes de acionar alertas automáticos.

  • Planos de contingência e resposta a incidentes integrados: Desenvolver planos conjuntos com fornecedores para rápida contenção e mitigação de ataques, incluindo testes regulares de recuperação.

  • Educação e treinamento: Promover capacitação constante das equipes internas e dos fornecedores sobre riscos emergentes e melhores práticas.

  • Revisão periódica da política de segurança: Atualizar políticas e procedimentos com base em aprendizados de incidentes e avanços tecnológicos.

Essas práticas, quando colocadas em conjunto e alinhadas com a estratégia corporativa, ampliam significativamente a resiliência contra ataques à cadeia de suprimentos.

Conclusão

O ataque à Sinqia reafirma a gravidade das ameaças à cadeia de suprimentos de TI no cenário atual, especialmente quando envolvem setores estratégicos como o financeiro. A complexidade das operações e a interdependência dos sistemas ampliam a superfície de ataque e exigem uma postura proativa e integrada por parte de todas as organizações envolvidas.

A segurança da cadeia de suprimentos deixa de ser um tema meramente técnico para se tornar um pilar estratégico de governança e continuidade dos negócios. A adoção de políticas robustas, práticas integradas e o investimento contínuo em prevenção e resposta são imperativos para proteger ativos, garantir a confiança dos clientes e minimizar impactos financeiros e reputacionais.

Assim, ao aprender com incidentes recentes como o da Sinqia, organizações podem evoluir suas defesas, criar ambientes mais seguros e garantir a continuidade dos serviços essenciais em um mundo digital cada vez mais ameaçado.

Referências